Ministro diz que não sabia sobre as acusações do ex-assesor e que não vê motivos para se afastar. O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, concedeu uma entrevista exclusiva à revista “Veja”, em que ele comenta o caso Waldomiro Diniz. O ministro afirmou que não vê motivo para sair do governo e garantiu que as acusações contra o ex-assessor não imobiliza o país.
Em sua opinião, o PT não é afetado pelo escândalo envolvendo supostos recursos para campanhas eleitorais vindos de bicheiros e bingos. Dirceu diz que há um padrão de comportamento ético e transparência e de controle e fiscalização nas prefeituras do PT, nos governos de Estado e no próprio governo federal. “Nosso governo está há 14 meses no poder. Não há uma denúncia de corrupção no governo. Repito isso porque é um fato. Estamos trabalhando com coisas que significam interesses grandes e não há uma denúncia sequer”, disse.
Desestabilização
Dirceu afirma não ter nenhuma relação com o caso Waldomiro. Ele ressalta que não participou, não apoiou e não tinha conhecimento de nenhuma dessas ações do ex-servidor – e por essas razões, não vê motivo para seu afastamento.
“Confio que, com as investigações policiais, a opinião pública vai separar o joio do trigo, vai discernir o que aconteceu”, sustentou, acrescentando que considera natural que, com as repercussões do caso, vai pagar um preço político. O ministro petista destaca, no entanto, que merece o direito à dúvida por sua história “pública, aberta e transparente”.
Dirceu criticou a atitude de parlamentares oposicionistas que propõem uma CPI para investigar o caso, admitindo tirar o pedido caso o ministro se afaste. “Então, a CPI não é para investigar, é para me tirar da Casa Civil. É para imobilizar o governo”, ponderou. Ele considera irresponsabilidade esta proposta e acusa setores da oposição de estar “namorando com o perigo”. Dirceu diz que continua trabalhando normalmente e informa que parou sua agenda para cuidar especificamente dessa questão em apenas duas manhãs.
Devassa infrutífera
O ministro admite que, olhando para trás, considera que devia ter afastado o ex-assessor para as investigações solicitadas pelo próprio Diniz, quando do surgimento das denúncias em julho de 2003. Por outro lado, critica o Ministério Público e o delegado da Polícia Federal por não o terem informado sobre investigações sigilosas do caso. Dirceu avalia que nunca houve tanta devassa sobre o governo e sobre sua vida pessoal como agora. Ele reafirma que, após um mês de devassa, “fica evidente que o governo não rouba, não deixa roubar”. Leia a íntegra da entrevista: Veja – Por que o senhor não se afastou de Waldomiro Diniz quando surgiram as primeiras denúncias contra ele no ano passado? Dirceu – Porque o próprio Waldomiro solicitou uma investigação formalmente à Polícia Federal, ao Ministério Público e à Controladoria-Geral da União. Eu acreditei nele, com base num fato real, que é o pedido de investigação. Tomei uma atitude adequada para as circunstâncias, já que eu não tinha conhecimento de nada e não havia no comportamento dele aqui no governo nenhum indício de irregularidade. É evidente que, olhando para trás, pode-se chegar à conclusão de que o ideal era tê-lo afastado enquanto durassem as investigações. Veja – Ninguém o havia avisado sobre a atuação irregular dele? Dirceu – Eu não tinha notícia sobre isso. E, infelizmente, não tinha notícia sobre esse inquérito sigiloso que o senador Almeida Lima levou ao conhecimento do país daquela maneira irresponsável. Se eu soubesse, por exemplo, daquele inquérito sigiloso, evidentemente meu comportamento teria sido outro. Como também não é fato que o Waldomiro não tenha sido investigado antes de ser nomeado. Ele foi, mas nada constava contra ele. Porém, quem pode dar essa informação é o Gabinete de Segurança Institucional, que faz as investigações. Veja – Mas não caberia, então, ao chefe do Gabinete de Segurança Institucional avisá-lo? Não falharam os mecanismos de controle? Dirceu – Quem devia ter me avisado era o delegado da Polícia Federal, que fez o inquérito sigiloso, e o Ministério Público, que participou do inquérito. Não entendi por que não fizeram. Aliás, você tem de fazer essa pergunta à oposição. Por que essa fita apareceu agora em fevereiro se, ao que tudo indica, ela estava em mãos da oposição, que tinha conhecimento dela desde a campanha eleitoral de 2002? Veja – Por que o senhor suspeita que a oposição tinha essa fita? E por que não teria usado antes? Dirceu – Não faço idéia. Nem estou preocupado com isso. A fita fala por si só e mostra o suficiente para todos ficarmos indignados e para tomarmos as providências legais cabíveis. Há quase um mês o governo está sendo investigado. Nunca houve uma devassa como a que está havendo no governo do presidente Lula, inclusive sobre a minha pessoa e sobre a minha família, o que é mais grave. Considero isso uma vilania. São investigações paralelas. E até hoje não foi encontrado nada. Depois de um mês fica evidente que o governo não rouba, não deixa roubar. Isso é muito importante. Não há nenhuma denúncia de corrupção no governo do presidente Lula. Há um fato gravíssimo, que foi o que Waldomiro Diniz fez, no Rio de Janeiro, e a fita fala por si mesma. Por isso mesmo, o governo o exonerou. Veja – O senhor conversou com Waldomiro Diniz depois desse episódio? Dirceu – Não. Nunca mais. Nem através de intermediários. Para mim, basta o que aconteceu. Veja – Com que freqüência o senhor despachava com Waldomiro ou falava com ele por telefone? Dirceu – Ele coordenava e articulava minha relação com os deputados e senadores para as votações, para as articulações políticas. Eu despachava com ele regularmente, toda semana. E falava com ele todos os dias. O Waldomiro Diniz não assinava atos administrativos, não tinha poderes legais para isso. Era um assessor político. E não é verdade que ele fosse o principal assessor da Casa Civil. Veja – Não era o seu braço direito? Dirceu – Não. Veja – Então, quem é o principal assessor da Casa Civil? Dirceu – Aqui não tem principal assessor. Veja – O senhor não contribuiu para ser visto como o homem forte do governo? Dirceu – Não, minha história contribuiu para isso. Não eu. Veja – Como assim? Dirceu – Sou uma pessoa que tem humildade suficiente para saber de minhas limitações e sei reconhecer meus erros, como tenho feito publicamente. Em 2003, fiz o que tinha de fazer. E acho que cumpri bem. Não sou de falsa modéstia. Só que, agora, tenho outro papel no governo. Deixei a articulação política e federativa do governo. Sei trabalhar em equipe, tenho disciplina. É por isso que eu organizei o PT, transformei o PT, junto com todos os companheiros, numa instituição política. Nós estamos reorganizando o Estado e o governo – ao contrário do que diz a oposição. E isso salta à vista. É só pegar qualquer ministério e ver as transformações que está sofrendo. Todos os ministérios estão sendo reorganizados com objetivos claros. Veja – Como continuar fazendo esse trabalho em meio a uma crise política instalada há quase um mês e com o crescimento zero da economia? Dirceu – Não há crise econômica. O país está melhorando a olhos vistos. Primeiro, porque o país está fazendo superávit em suas contas. Segundo, porque está reorganizando sua dívida interna. São duas coisas importantes: o dólar está estabilizado e a inflação, baixa. Isso é importante porque sofremos pela dependência que o país tem há dezenas de anos dos capitais externos – e que o presidente Lula não pôde resolver em catorze meses. Há ainda a dívida interna, que foi multiplicada por dez no governo Fernando Henrique. O presidente Lula adotou uma política econômica correta e está equacionando esses problemas com o tempo. Veja – A sensação do país é que o governo parou a reboque do caso Waldomiro… Dirceu – Nada. Em duas manhãs eu parei minha agenda para cuidar especificamente dessa questão. Todos os ministros estão trabalhando. O governo continua andando. Veja – Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha na terça-feira passada revelou que 67% das pessoas acham que o senhor deveria se afastar do cargo… Dirceu – Mas eu não vou sair do governo. Eu não tenho nenhuma relação com esse caso, não tenho nenhuma dúvida com relação a isso. Não participei, não apoiei, não tinha conhecimento. Não devo sair. Devo continuar fazendo meu trabalho. Tenho a confiança do presidente, do meu partido e dos partidos que apóiam o governo. Tenho certeza de que a sociedade, com as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, chegará a essa conclusão. Confio que a opinião pública vai separar o joio do trigo, vai discernir o que aconteceu. Veja – Por que o senhor pediu demissão, então? Dirceu – Porque era meu dever. O cargo de ministro não é um emprego como qualquer outro. É um cargo de confiança, um cargo do presidente da República. Eu tinha de entregar o cargo ao presidente. Mas ele, evidentemente, não aceitou, senão eu não estaria aqui. E pedi apenas uma vez. Não havia razão para pedir outra vez. Passei a trabalhar e enfrentar o problema. Veja – Esse episódio o deprimiu? Dirceu – Estou com quarenta anos de vida pública. Nunca na minha vida me aconteceu algo como isso. Então, acredito que tenho o direito de ter pelo menos o direito à dúvida pela minha história. Sempre tive uma vida absolutamente pública, e aberta e transparente. Não tem pessoa com a vida mais conhecida do que a minha. Até porque minha vida já foi cantada em prosa e em verso. Não temo prestar contas ao país. O que eu não posso aceitar é, por exemplo, o senador Antero Paes de Barros dizer que, se eu me afastar da Casa Civil, o PSDB não faz mais a CPI. Então, a CPI não é para investigar, é para me tirar da Casa Civil… É para imobilizar o governo. O que é isso? A que nível de irresponsabilidade vamos chegar? O que se pretende com isso? Temo que alguns setores da oposição estejam namorando com o perigo, com teses de desestabilização. Alguns movimentos indicam isso. Veja – Quais, ministro? Dirceu – Os movimentos cujo objetivo é desorganizar o governo. Cometi um erro e posso admiti-lo. Agora, não fiz nenhum ato ilícito. Veja – Se algum fato novo vier à tona, o senhor admite deixar o cargo? Dirceu – Não existe mais isso. Eu não vou raciocinar sobre hipóteses. Não vejo como transformar essa questão numa crise institucional. Veja – O senhor acha que esse episódio abalou sua autoridade? Dirceu – Não percebo nenhum abalo na minha relação. Agora, evidentemente eu vou pagar um preço político por isso. Mas faz parte da vida política. Claro que isso me afeta. Não do ponto de vista ético, porque estou com a minha consciência absolutamente tranqüila. Mas porque sou muito exigente comigo mesmo. Veja – O senhor poria a mão no fogo pelos seus outros assessores da Casa Civil? Dirceu – Eles são pessoas de minha confiança. Não há nada que afete a retidão deles. Se houver problemas, evidentemente eles terão de responder por isso. Veja – Essa série de denúncias ligando o PT a donos de bingos e bicheiros afeta em que medida a imagem da legenda, tida como um partido acima dos demais nas questões éticas? São todos agora “farinha do mesmo saco”? Dirceu – Não. É só analisar as prefeituras do PT, os governos de Estado, o próprio governo federal: há um padrão de comportamento ético e transparência e de controle e fiscalização. Nosso governo está há catorze meses no poder. Não há uma denúncia de corrupção no governo. Repito isso porque é um fato. Estamos trabalhando com coisas que significam interesses grandes e não há uma denúncia sequer. Veja – O senhor acha recomendável que o tesoureiro do partido, Delúbio Soares, integre a comitiva do presidente Lula numa viagem ao exterior? Ou que peça a liberação de verbas para as obras em seu município natal? Ou que participe de alguma reunião no ministério, como aconteceu no Ministério dos Transportes? Dirceu – Não vejo problema de o tesoureiro do PT participar de uma viagem do presidente. O Delúbio foi dirigente sindical, dirigente da CUT, militante do PT, é uma pessoa pública. Não está impedido por ser tesoureiro. A presença dele no Palácio do Planalto, na Casa Civil, é muito rara. Ele não vem aqui tratar comigo questões de tesouraria. Vem discutir política. São questões que poderiam ser até tratadas na sede do PT. Mas aqui se ganha em agilidade. E, quando éramos oposição, pedíamos liberação de verbas. Agora, que somos governo, vamos parar de pedir? Não vejo como pressão. Veja – O senhor se vê fora do governo? Como o governo ficaria sem o senhor? Dirceu – Se eu sair do governo não acontece nada, absolutamente nada. O PT e o país têm quadros suficientes para me substituir e o governo continuar na mesma maneira. No governo não exerço nada além do que é o meu papel. Se as coisas começam a parar, faço andar. Para isso o presidente me pôs aqui. Estou com ele no Palácio do Planalto, como advogado, parlamentar, ministro. Não tenho crise existencial se deixar de ser ministro. Já passei por experiências suficientes na vida para saber recomeçar. Tenho a consciência tranqüila. Confio em mim, confio na minha história. Não sou uma pessoa que caiu aqui no Palácio do Planalto, virou chefe da Casa Civil por acaso. Tenho quarenta anos de vida pública, entendeu? E não é um fato como esse, que, repito, é grave e cujas providências legais cabíveis foram tomadas, que vai manchar minha biografia.