A pandemia agrava, piora a situação da agricultura familiar, mas não é o único fator de empobrecimento do campo, nem a principal causa. O que a COVID-19 traz para a nossa realidade é uma insegurança ainda maior com relação ao futuro.

A pandemia agrava, piora a situação da agricultura familiar, mas não é o único fator de empobrecimento do campo, nem a principal causa. O que a COVID-19 traz para a nossa realidade é uma insegurança ainda maior com relação ao futuro. Essa insegurança não é tão diferente daquela enfrentada pelas categorias de trabalhadores assalariados urbanos e de outros setores produtivos diante da redução dos empregos formais e das precarizações que já vinham se intensificando nos últimos anos com as reformas trabalhistas do pós-golpe, as práticas antissindicais e as investidas contra as organizações de trabalhadores.

Para a agricultura familiar, especificamente, a pandemia veio aprofundar as incertezas de não saber se conseguirá comercializar os alimentos produzidos. Mesmo com a manutenção das compras institucionais de programas e políticas públicas, com todas as suas deficiências e limitações de hoje, como a aquisição de alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), as medidas não são suficientes e não se estendem a todo o seguimento.

Vale lembrar que agricultores e agricultoras familiares não trabalham com reservas financeiras que permitam um fôlego na geração e garantia da renda para enfrentar crises na proporção dos agravos resultantes da COVID-19. Têm alimentos, sim, para subsistência da família, mas precisam comercializar a produção para sobreviverem. Vivem da venda dos produtos. O fechamento de estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes que compram alimentos da agricultura familiar, também diminuiu a arrecadação dos produtores.

Paralelamente a tudo isso, as dificuldades e entraves à renegociação das dívidas de crédito rural, a demora na prorrogação dos financiamentos agrícolas, uma vez que muitas famílias têm encontrado dificuldades para se encaixarem nas regras ditadas a essa renegociação, aumentam o drama de agricultores e agricultoras familiares no Paraná. Quando a gente lembra que cerca de 90% dessas famílias são também produtoras de leite e seus derivados, enxerga mais um capítulo dessa triste situação. Quem trabalha com o leite e já vinha amargando prejuízos com os baixos preços do produto, convive, nessa pandemia, com a redução da coleta e vê os valores pagos aos produtores despencarem ainda mais.

Mas é o pouco apoio dos governos à agricultura familiar que está na raiz da crise atual. O que é contraditório, diante do potencial que tem a produção de alimentos da agricultura familiar na erradicação da fome no país. Na pandemia, esse fator não se torna apenas evidente, como muito estratégico e vital. O país soma 13,5 milhões de pessoas na extrema pobreza (IBGE/2018), o que, por essa medição, compreende uma grande parcela da população com renda familiar mensal per capta abaixo de R$ 145,00 (cento e quarenta e cinco reais nos valores de então) ou, de acordo com os parâmetros do Banco Mundial, com menos de U$ 2.00 (dois dólares) por dia. Se temos esse quadro lamentável de desigualdades por um lado, encontramos na agricultura familiar algumas respostas. Ela é responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Mandioca (83%), feijão de todas as variedades (69,6%), milho em grão (45,6%), arroz (33%), o leite mesmo (57,6%) são só alguns dos alimentos que, de acordo com o Censo Agropecuário de 2006, as famílias de pequenos produtores e as camponesas se destacam na produção. Tratam-se de alimentos da cesta básica que efetivamente escoam no mercado interno.

É, portanto, o baixo apoio governamental que mais fragiliza o segmento produtivo da agricultura familiar e boicota estratégias de desenvolvimento sustentável e de segurança alimentar e nutricional em um momento tão dramático como o que vivemos. No Estado do Paraná, como na maioria dos municípios, o orçamento destinado à agricultura familiar é insuficiente. Aqui, não chega a comprometer 2%. Em 2007, apresentei uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 118/2007) do estado, que virou mais tarde a Indicação Legislativa nº 75/2011, propondo a destinação de pelo menos 3% do orçamento anual para as dotações da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab-PR). Desse montante, a proposta previa ainda que 50% dos recursos fossem direcionados à Agricultura Familiar.


Voltadas ao enfrentamento e ao socorro das famílias de pequenos produtores, bem como da economia dos pequenos municípios, dependentes do bom desempenho da agricultura familiar e camponesa, apresentei juntamente com a bancada do PT e da Oposição diversas iniciativas ao governo do estado. Só a compreensão dessa importância e a clareza de que o que se aplica de investimentos na agricultura familiar tem um potencial de multiplicação de bem-estar podem oferecer perspectivas mais promissoras para enfrentamento das crises do novo coronavírus. Mas, sem ela, o cenário fica cada vez mais desanimador. A esperança reside na lucidez e em atitudes efetivas de fortalecimento da agricultura familiar e da reforma agrária popular.

Fonte: http://www.terrasemmales.com.br/em-tempos-de-pandemia-a-falta-de-apoio-e-tambem-um-virus-que-adoece-o-campo

Autor: Luciana Rafagnin

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