O saldo de minha recente viagem oficial à Europa não podia ser mais positivo para a agricultura familiar: trouxemos, na bagagem, muitas informações, contatos e grandes possibilidades de parcerias
Artigo da deputada estadual Luciana Rafagnin*, publicado na edição do Jornal de Beltrão de 24/06/2005.
“Você não herda a terra dos seus pais, você a pega emprestada dos seus filhos” (Família de Anny e Eddie Possumier – Bélgica, 30/05/2005)
O saldo de minha recente viagem oficial à Europa não podia ser mais positivo para a agricultura familiar: trouxemos, na bagagem, muitas informações, contatos e grandes possibilidades de parcerias. A viagem foi organizada pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul/CUT) e eu acompanhei essas agendas representando a Comissão de Agricultura, Indústria, Comércio, Turismo e Mercosul da Assembléia Legislativa do Paraná.
Pra começo de conversa, não é possível tecer comparações entre duas realidades diferentes, como a da agricultura familiar européia e a nossa, mas é fácil perceber que, mesmo em momentos diferentes, elas caminham juntas em propostas, alternativas e conscientização. Assim como aqui, cresce a consciência de produtores e consumidores em exigir uma alimentação mais natural e fruto de práticas sustentáveis e ambientalmente corretas de produção. Lá, a agricultura familiar já dá passos cada vez mais seguros na criação de espaços próprios de comercialização desses produtos naturais, orgânicos e agroecológicos, com clientela fiel e uma procura constante. Esse nível de organização é percebido em várias cadeias produtivas. Na de carnes, por exemplo, os produtores em associação ou cooperativas fazem o controle da produção, da agroindustrialização, de qualidade dos produtos, da certificação e da comercialização. Eles eliminaram a figura do intermediário. As mesmas famílias que trabalham com pecuária de corte, possuem pequenos frigoríficos e “açougues” (as boutiques de carnes), onde comercializam as peças, agregando valores da rastreabilidade aos produtos.
Ser agricultor ou agricultora familiar nas regiões que visitamos na Europa é ser proprietário de 50 a 60 alqueires, cerca de três vezes mais que as áreas de agricultura familiar do Sudoeste do Paraná, e usar intensivamente maquinário agrícola. Pudemos conhecer como funciona a estrutura fundiária européia e encontramos uma situação inusitada em relação à transmissão da “posse da terra”. Há muitos agricultores que trabalham como uma espécie de “arrendatários”. Possuem apenas o pedaço de terra em volta da habitação e não são os donos das áreas produtivas, de onde tiram o seu sustento. Em geral, os filhos não herdam pura e simplesmente a terra. Eles têm preferência para comprá-las dos próprios pais. Quando nenhum dos filhos quer continuar o trabalho na roça, um conselho de terras decide quem poderá adquirir a propriedade e a prioridade é dada aos mais velhos, que têm comprovada habilidade em fazer a terra produzir. Esta medida tem o seu lado prático, mas vem gerando outro problema que é o da concentração de terras. Ao mesmo tempo, os sindicatos dos jovens agricultores se queixam de dificuldades no acesso à terra e para continuar na lavoura por conta dessa situação.
Na Bélgica, também fomos questionados sobre o fato da União Européia vir a importando açúcar brasileiro a quantidade e preços mais atraentes que o subsidiado açúcar de beterraba europeu. A Bélgica tem 85 mil hectares plantados com beterraba, para a produção de açúcar e farelo. A produção de beterraba é forte, também, na Polônia, Alemanha, Itália e Holanda. O açúcar brasileiro assusta o produtor belga porque ele pode cair no gosto do exigente consumidor europeu não só pelo preço, mas, também, pelo seu sabor. Um outro fato, ainda, me chamou a atenção nesta viagem. Conhecemos, na França, o trabalho de um colégio agrícola que existe há 50 anos, bancado pelo “Ministério da Agricultura” de lá. Ele funciona em regime de internato; trabalha não só a prática produtiva, mas, também, a agroindustrialização dos alimentos.
Por fim, visitamos a região da Bretanha, na França, que despertou meu interesse particular desde as primeiras discussões de preparação da viagem. A Bretanha é uma das províncias “livres de transgênicos” do Bloco Europeu e possui acordo com o governo do Paraná para cooperação e comércio de produtos não-transgênico. A vice-Presidente do Conselho Regional da Bretanha, Pascale Loget, virá ao Paraná novamente em setembro deste ano e pretende, por recomendação da Fetraf-Sul/CUT, negociar a compra do soja não-transgênico da agricultura familiar paranaense.
Portanto, a viagem oficial para contato com agricultores familiares, organizações e governos das províncias e da União Européia foi muito produtiva. Para dar conta de nossa agenda de compromissos nos países visitados, trabalhamos de sol-a-sol, lembrando que, nesta época do ano lá, início do verão, o sol só se põe após às 22h. Com essa dinâmica, trouxemos na bagagem muitos conhecimentos e contatos que podem ainda render ótimos frutos.
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(*) LUCIANA RAFAGNIN é deputada estadual (PT-PR) e presidente da Comissão de Agricultura, Indústria, Comércio, Turismo e Mercosul da Assembléia Legislativa do Paraná.