Brasília – Referência no debate político e econômico dentro do PT desde a fundação do partido, em 1980, o economista Paul Singer, 73, integra o grupo dos chamados “intelectuais petistas”, que são chamados periodicamente a opinar
Economia Solidária: entrevista com o economista Paul Singer. (Spensy Pimentel Repórter da Agência Brasil)
Brasília – Referência no debate político e econômico dentro do PT desde a fundação do partido, em 1980, o economista Paul Singer, 73, integra o grupo dos chamados “intelectuais petistas”, que são chamados periodicamente a opinar sobre seus rumos, inclusive junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como aconteceu em 2004, em São Paulo.
Nas últimas semanas, Singer tem publicado artigos e concedido entrevistas à imprensa para falar sobre o atual momento político. Ele defende a refundação do partido e considera-o vítima do “eleitoralismo”, mal que, segundo Singer, já atingiu a esquerda européia décadas atrás. “A finalidade do PT não é governar, é mudar a sociedade brasileira”, argumenta.
Atualmente secretário da Economia Solidária no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Singer foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, em 1980. De origem austríaca, é ex-operário e militante socialista desde os anos 50, quanto atuou como sindicalista. Além das atividades no governo federal, conserva o cargo de professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e de pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Singer considera que as restrições atualmente justificadas pela necessidade de rolagem da dívida interna (hoje superior a R$ 900 bilhões) e a manutenção da inflação baixa não impediram que o governo realizasse “outras políticas econômicas”, de caráter redistributivo. A atual política macroeconômica vem sendo considerada como raiz da atual crise por parte da chamada “esquerda” petista – o PT é formado por diversas correntes, que indicam representantes para a direção do partido de forma proporcional à quantidade de votos que conseguem em eleições internas. Singer discorda da avaliação, mas lembra que o elogio irrestrito à atual “estabilidade” só interessa aos setores conservadores da sociedade brasileira.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva à Agência Brasil.
Agência Brasil – O que o sr. considera que deve ser feito para superar a atual crise política?
Paul Singer – De um lado, evidentemente, é averiguar tudo o que aconteceu de ilegal e imoral, tanto pelo PT quanto por outros partidos. Não é justo dizer que apenas o PT é que inventou. Pelo contrário, ele imitou tardiamente, mas foi muito errado.
Eu diria que, a longo prazo, é fundamental refundar mesmo o PT. O PT tem que fazer uma revisão crítica da sua própria história. Ao meu ver, tem que se redirecionar, não disputar as eleições como um fim em si. A finalidade do PT não é governar, é mudar a sociedade brasileira em harmonia com os movimentos sociais e, conseqüentemente, mais importante que as vitórias é a maneira de disputar as eleições. Ao meu ver, deu-se nos últimos anos com o PT algo que acontece muito em partidos de esquerda, se chama “eleitoralismo”.
O que eu tenho visto, participando de eventos em várias partes do Brasil, em Porto Alegre, em São Paulo e mesmo aqui em Brasília, é que a crise tem tido aspectos positivos sobre o PT. Houve uma espécie de despertar e reaproximação da militância ao partido. Muita, muita gente que estava afastada, desiludida, frustrada voltou a ter esperança, está vindo às discussões e quer contribuir. Isso me dá a impressão de uma certa vitalidade, que garante pelo menos alguma possibilidade de refundação do partido.
ABr – A chamada “esquerda” do partido tem alegado que a política econômica contribui para o quadro atual de crise. Ao mesmo tempo, a grande imprensa e setores conservadores dizem que ela é o único ponto positivo do governo Lula. Na avaliação do sr., por que se dá essa diferença de leitura tão grande e quais são as reais implicações dessa política?
Singer – Obviamente, há interesses completamente opostos. Para os setores que se beneficiam do sistema de desigualdade profunda, de exploração, que predomina no Brasil, a grande preocupação é a estabilidade, que é o que garante a política macroeconômica, fiscal e monetária, de juros. Mas há muitas políticas econômicas outras que o governo faz e que são na verdade emancipatórias e redistributivas.
Políticas de crédito, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), por exemplo, microcrédito, crédito consignado, expansão bancária, são altamente redistributivas, uma vez que abrem o sistema financeiro aos mais pobres e isso lhes permite reincluir-se produtivamente na economia, na sociedade.
Há outras políticas importantes, inclusive da reforma agrária, de apoio ao pequeno agricultor, esse programa de biodiesel a partir da agricultura familiar nas áreas mais pobres do Brasil. Ou seja, muita coisa boa o governo está fazendo também. Agora, é lógico que os movimentos sociais querem uma política de juros, e assim por diante, menos conservadora e menos concentradora de renda.
ABr – Essa política redistributiva é prejudicada por fatores como as altas taxas de juros?
Singer – Seria muito melhor se pagássemos menos juros, os juros estão exagerados, evidentemente que poderíamos ter algumas dezenas de bilhões a mais para políticas redistributivas. Mas, o espaço que sobrou é significativo, tanto assim que os movimentos sociais, com toda a frustração com a política macroeconômica, continuam dando apoio ao governo.
ABr – Quais podem ser as influências desse momento por que passa o Brasil para a América Latina?
Singer – A América Latina está passando por uma convulsão político-social muito interessante. Existe um governo de esquerda inédito no Uruguai. Existe um governo, eu diria, mais de esquerda que de centro-esquerda na Argentina, com a política econômica, que eu pelo menos acho, é a melhor de todas, existe a revolução bolivariana na Venezuela e outras coisas que estão em vez de acontecer.
É um momento histórico único para a América Latina, e o Brasil tem uma papel importante, porque é o maior país do continente, representa territorialmente quase a metade, em termos da população também. Então, eu acredito que a política externa do presidente Lula, nessas condições, desempenha um papel positivo, no sentido de união econômica e política da América do Sul.
ABr – Mas, que efeito pode ter um desfecho menos favorável para a esquerda no Brasil em termos continentais?
Singer – O efeito é sempre mais ideológico do que de outra natureza. Se houver de fato uma mudança de governo e a direita voltar ao poder, isso certamente terá efeitos de caráter ideológico e político, portanto, nos outros países, mas não concretos, não que alguém vá intervir no Uruguai por causa disso ou alguma coisa dessa natureza.