Comissão Especial de Investigação (CEI) vai levantar a situação da Usina Hidrelétrica de Mauá.
O desrespeito aos direitos humanos dos paranaenses atingidos por barragens foi denunciado ontem (2) durante uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania. Na ocasião, os deputados Tadeu Veneri (PT) e Rasca Rodrigues (PV) anunciaram a instalação de uma Comissão Especial de Investigação (CEI) para levantar a situação da Usina Hidrelétrica de Mauá.
“Eu dei a licença para a construção desta usina e não estou vendo o cumprimento de uma série de itens acordados, especialmente, em relação aos assentamentos”, declarou Rodrigues, que era secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos na época do processo de implementação da usina de Mauá. Veneri destacou que a instalação de uma CEI é um instrumento que permitirá investigar as denúncias que envolvem esse empreendimento.
O deputado Tadeu Veneri, que preside a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, falou também da preocupação diante das informações de que o Paraná está discutindo a construção de mais quatro usinas e cerca de 170 PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas). “Essas novas obras podem afetar mais de 25 mil famílias. O impacto social e ambiental será grande”, frisou.
Direitos – O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) fez o lançamento, durante a audiência, de uma cartilha elaborada a partir de um relatório da Comissão Especial “Atingidos por Barragens”, aprovado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). O documento traz um histórico de milhares de brasileiros atingidos, a partir dos anos 80, por obras que resultaram na instalação de inúmeras hidrelétricas.
São cerca de 600 páginas registrando a violação dos direitos humanos sofridos em várias partes do país. Segundo o relatório, “os estudos de caso permitiram concluir que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”.
Conforme Robson Formica, coordenador estadual do MAB, a comissão que desenvolveu esse estudo identificou um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente violados. Não foram respeitados os direitos à informação e à participação; à liberdade de reunião, associação e expressão; ao trabalho e a um padrão digno de vida; à moradia adequada; à educação; a um ambiente saudável e à saúde; a melhoria contínua das condições de vida; à plena reparação das perdas; e à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados. Cita ainda a violação ao direito de ir e vir; às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e imaterias; dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais; de grupos vulneráveis à proteção especial; de acesso à justiça e à razoável duração do processo judicial; à reparação por perdas passadas; e de proteção à família e aos laços de solidariedade social ou comunitária.
Expulsos – “Meu pai assinou um monte de papéis, entregando a propriedade da família sem saber o que estava fazendo. Ele é praticamente analfabeto, mas não pode ser acompanhado pelos filhos durante as negociações”, contou Divair de Fátima Vieira, que vive em Ortigueira, onde está localizada a barragem de Mauá. O depoimento de Divair foi apenas um entre dezenas de outros casos dramáticos relatados durante a audiência. “Em muitos locais, as famílias foram expulsas de suas terras injustamente, sem reassentamento e com a maioria dos direitos negados”, reforça Formica.
“Por isso, precisamos avaliar a instalação dessas barragens com muito critério, pensando na população atingida, que sofre com essas obras de barragens”, afirmou o procurador de Justiça Saint-Clair Honorato Santos, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente. O procurador disse entender que “não cabe mais nenhum empreendimento hidrelétrico no Paraná. O estado já está suficientemente impactado”, completou.
Ao final do encontro foi sugerida a criação de um comitê para encaminhar as questões das barragens e a realização de audiências públicas nas regiões paranaenses atingidas por esses empreendimentos. Na opinião dos mais de 200 participantes do debate é urgente uma discussão ampla na sociedade sobre o tema, para que as violações não se repitam nas usinas em fase de construção. Participaram também do encontro a deputada Luciana Rafagnin (PT); Hamilton Serighelli, assessor especial para assuntos fundiários da Casa Civil; Antonio Goulart, diretor do Sindicato dos Engenheiros do Paraná; Teo Marés, ouvidor agrário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); Marcelo Nicolau, ouvidor do Ministério do Desenvolvimento Agrário; e Armelindo Rosa da Maia, da coordenação do MST.
* O relatório completo do MAB está disponível aqui.
Autor: Nádia Fontana