O Filho, lembra do pai, Walter Alberto Pécoits, como líder da revolta dos posseiros, amigo de Brizola, perseguido e torturado pela ditadura e que dá nome ao Hospital Regional do Sudoeste do Paraná. Lembra, também, que foi a deputada estadual Luciana Rafagnin (PT), a autora do projeto de lei que deu o nome do pai ao Hospital.
As memórias do médico Walter Alberto Pécoits Filho sobre o pai, Walter Alberto Pécoits, são as mesmas que as reveladas nos arquivos confidenciais do Serviço Nacional de Informações da Ditadura Militar. Não mais secretos, os dossiês disponibilizados no Arquivo Nacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública desnudam a história do médico que dá nome ao Hospital Regional do Sudoeste (HRS) e revelam a face do líder da revolta dos posseiros, íntimo de Brizola e perseguido e torturado pelos anos de chumbo do regime militar.
Pécoits não era paranaense. Deixou Santa Maria (onde nasceu) e Erechim (onde iniciou carreira de médico) em 1952 para mudar-se para Francisco Beltrão, onde prometera não mais meter-se na política, mas onde esteve mais presente nela. Foi o terceiro médico a chegar no município recém-criado, e que tinha população majoritária de camponeses – muito impulsionados pela implantação da Colônia Agrícola Nacional General Osório (Cango). Abriu um hospital, o segundo da cidade, e rompeu a promessa feita à família, filiando-se ao PTB.
Em 1956, Pécoits já concorria a eleição para vereador, sendo eleito; no ano seguinte, liderava a maior revolta agrária da região; depois pleiteava a prefeitura, mas não a assumindo até o fim: tornou-se deputado estadual em 1962.
“Ele era um ótimo profissional”, conta Pécoits Filho sobre o pai, de quem herdou, além do nome, a profissão. “Era muito bem reconhecido e se preocupava muito com a questão da posse da terra, as companhias de terra que agiam com brutalidade e matavam pessoas, torturavam pessoas, ameaçavam pessoas… era uma coisa complicada. Era uma terra de bandidagem mesmo. Acho que ele se elegeu bem nas costas dessa defesa que ele fez dos colonos. Porque a cidade era muito pequena. Forte era o interior do município. Ele era um homem de esquerda, bem de esquerda, muito preocupado com as questões sociais.”
Da cassação à tortura
Por não poupar discursos é que Pécoits andava na mira da inteligência nacional. Quando ainda estudante de Medicina, em Porto Alegre, fez amigos que o acompanhariam na vida política e com quem compartilhava os mesmos ideais. Tratava-se de João Goulart, que estudava Direito, e Leonel Brizola, que fazia Engenharia. No ano de 1964, o primeiro estava na presidência do Brasil, e sofreu um duro golpe pelos militares em 1º de abril daquele ano. O segundo era deputado federal, depois de deixar o governo do RS.
Dia 9 de abril de 1964, a junta militar, representando o Comando Supremo da Revolução, baixou o primeiro ato institucional redigido por Francisco Campos. Conhecido depois como Ato Institucional número 1 (AI-1).
Em entrevista ao Estado do Paraná, anos depois (29-11-1978), Pécoits detalhou esse momento e como ele o levou à sua tortura. “No dia 1º de abril de 1964, como líder do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) na Assembleia, fiquei sabendo que haveria uma nova figura jurídica: o tal do Ato Institucional. Preparei minha família para o que iria acontecer; o AI-I foi editado no dia 9 e, no dia 13, a ‘Voz do Brasil’ me incluía na primeira relação dos cassados. (…) Logo que soube, ainda fui à Assembleia e fiz um discurso, reafirmando minhas posições e meus princípios. Disse que não era comunista nem corrupto.”
Três meses depois, Pécoits viajou ao Uruguai visitar o amigo João Goulart, voltando em agosto. Nessa viagem, segundo Pécoits Filho, Brizola esteve junto com o pai. Mas, no retorno, a polícia esperava pelo médico, que, preso, foi torturado e perdeu a visão do olho esquerdo. Era 13 de agosto de 1964, e, de Cascavel, não retornou a Francisco Beltrão, como de costume. Aceitou ir a um almoço com um amigo, onde foi recebido em festa. Não se sabe se houve traição para prisão de Pécoits, mas foi ali que foi levado pela polícia. O relato do médico, dado ao jornal Estado do Paraná, na mesma edição de 1978, denuncia a brutalidade:
“Naquela noite me deixaram só com uma peça de roupa no corpo. Fez um frio de 2 graus abaixo de zero. Pela manhã, eu estava sentado num caixote, perto da porta. Havia mais de dez sargentos dentro da cela. Num dado momento, todos saíram. Pensei comigo mesmo: aí vem coisa. Fiquei sozinho novamente. Chegaram os três sargentos que me haviam prendido. Pediram que assinasse uma folha de papel em branco. Neguei. Então um deles me deu uma bordoada com o revólver. Pegou bem encima do olho, atrás dos óculos. A mira da arma rasgou-me a vista e, de imediato, senti um líquido quente correr-me pelo rosto. Percebi que tinha perdido o olho. O dia todo me bateram. Só na cabeça. Acabei ficando com um edema cerebral. Por diversas vezes ameaçaram de morte se eu não assinasse a folha de papel. A certa altura eu já não aguentava mais as pancadas na cabeça e procurei simular desmaio. Não adiantou muito porque, mal eu caía, jogavam água fria sobre meu rosto. Até que eu perdi os sentidos. Acordei sozinho, deitado no chão da cela, todo inchado e com a cabeça doendo. Haviam deixado a porta aberta para que eu tentasse fuga. Percebi a armadilha e fiquei bem quieto, no fundo da cela.”
A tortura custou a visão esquerda de Pécoits, o que comprometeu seu trabalho como médico. Sua esposa foi avisada poucos dias depois e ele pôde ser transferido e ser submetido a uma cirurgia. Por ser deputado estadual cassado, o caso repercutiu na imprensa, e anos mais tarde ele foi indenizado pelo crime cometido pelo Estado.
“Eu era um pré-adolescente e sofri muito. Então foi uma época muito dura, muito triste. Viramos todos comunistas em função disso”, diz Pécoits Filho, que lembra do pai sempre andando armado e com seguranças, ao mesmo tempo que era o homem de respeito dentro de casa.
Os anos de chumbo, que terminaram em 1985, foram custosos para a família, mas os mais ativos de Pécoits, que não parou. Próximo da redemocratização, foi chefe da Casa Civil, entre 1983 e 1986 (no governo de José Richa), e participou de conversas sobre a necessidade de um Hospital Regional no Sudoeste, público e gratuito, sendo secretário municipal da saúde de Francisco Beltrão no final dos anos 80, na gestão do prefeito Guiomar Lopes. “Meu pai era um defensor do SUS. Ele acreditava no sistema SUS.”
Homenagem
O médico morreu aos 86 anos, no ano de 2004, sem ver o hospital receber o seu nome. Pécoits Filho lembra que houve resistência pela família em batizar o hospital com o nome do pai, mas depois foi aceito. “Cheguei a conversar pessoalmente com o dr. Walter Pécoits por diversas vezes sobre o projeto de lei de criação do Hospital do Sudoeste do Paraná e a importância dessa obra para a nossa região”, contextualiza a deputada estadual Luciana Rafagnin (PT), autora do projeto de lei que deu o nome do médico ao hospital, autorizado pelo governador Roberto Requião (MDB), em 2008, que se dirigia a Pécoits como “meu grande amigo”. “O doutor Walter tinha uma história de luta no Sudoeste em favor da saúde e das necessidades do povo. Se colocou como defensor dos colonos na Revolta de 1957 e essa atuação se tornou notória. Tinha esse reconhecimento. Além de ser um médico popular e de ter conquistado a confiança da população, atuou intensamente na política local e paranaense”.
Fonte: Jornal de Beltrão
Autor: Isadora Stentzler