Depois do populismo cambial, o populismo tributário. O lançamento em São Paulo do pacote populista “Outono Tributário” pelo governador Geraldo Alkimin

Depois do populismo cambial, o populismo tributário.

Por João Marcelo Borelli Machado

O lançamento em São Paulo do pacote populista “Outono Tributário” pelo governador Geraldo Alkimin (PSDB) trata-se de mais uma estratégia eleitoral tucana para as eleições presidenciais de 2006.

Essa reedição das fórmulas mágicas neoliberais dos anos 90 demanda um resgate preciso dos efeitos daninhos ocasionados à economia e a sociedade brasileira pelo ilusionismo político-econômico do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e seus correligionários. A memória do populismo cambial é essencial para evitar o engodo do populismo tributário. Isto posto, analisemos sucintamente a primeira estratégia populista.

Seguindo o receituário monetarista dos chicago-boys de Milton Freedman, o Plano Real foi arquitetado objetivando viabilizar a estabilização monetária a partir da contenção da teorizada “inflação inercial”. Como principal elemento dessa política macroeconômica instituiu-se uma âncora cambial que sobrevalorizava o Real frente ao Dólar, estabelecendo-se uma perigosa paridade que perdurou de 1994 a janeiro de 1999.

O câmbio fixo no patamar de R$1,00 para US$1,00 persistiu artificialmente por cerca de 05 anos graças à farra das privatizações, quando boa parte do patrimônio público brasileiro construído por mais de 50 anos foi incrivelmente dilapidado em apenas 05 de governo FHC, numa formidável inversão do slogan desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek. Na gestão tucana, as privatizações tinham como principal finalidade auxiliar a manutenção da âncora cambial mediante atração de investidores estrangeiros e seus dólares, mas na verdade o Programa Nacional de Desestatização (PND) foi patrocinado primordialmente com empréstimos do BNDES (exemplo infeliz dessa política ocorreu na privatização de parcela do setor elétrico) e recursos do Fundo de Amparo aos Trabalhadores (provisões do FAT que se voltaram contra os trabalhadores quando as empresas privatizadas promoveram Programas de Demissões Voluntárias – PDV).

Efeito imediato da paridade cambial foi o vertiginoso aumento das importações, que inundaram o comércio interno com mercadorias mais baratas e de melhor qualidade, auxiliando na contenção dos índices inflacionários. Como o setor industrial nacional não foi preparado para a competição com as corporações estrangeiras, seguiu-se uma quebradeira recorde de empresas brasileiras e a desnacionalização de boa parte do setor produtivo.

Mas a prestidigitação tucana não foi capaz de ocultar outros três reflexos do populismo cambial de Fernando Henrique Cardoso. Primeiramente, o progressivo crescimento das taxas de desemprego constatadas pelo IBGE e DIEESE entre os anos de 1994 e 2002, que trouxeram consigo a diminuição do poder de negociação dos sindicatos e perdas salariais aos trabalhadores. Em segundo, o desincentivo às exportações em função da manutenção de um câmbio artificial que ocasionou a diminuição do fluxo de divisas internacionais e, progressivamente, foi tornando a âncora cambial mais difícil de ser mantida. Por fim, a impossibilidade de se estabelecer uma política de planejamento e desenvolvimento econômico e social, em razão das crenças fundamentalista nas forças auto-reguladoras do deus mercado. Com o passar do tempo, a economia brasileira tornava-se gradativamente mais vulnerável às crises financeiras internacionais.

Todo esse processo foi facilmente compreendido pela agiotagem internacional, que em janeiro de 1999 coordenou um ataque especulativo sem precedentes as reservas internacionais do BACEN, fazendo evaporar em poucos dias mais de US$ 42 bilhões. O paladino mascarado dos prestamistas estrangeiros não teve o menor pudor em revelar os segredos do ilusionismo econômico dos mágicos de picadeiro tucanos. Arrombada a porta, coloca-se o cadeado! E foi assim que agiu o governo de Fernando Henrique Cardoso, após um vacilo inicial da equipe econômica e a desastrosa passagem de Chico Lopes pelo BACEN (condenado na Justiça Federal por crimes contra o sistema financeiro), decidiu-se pela elevação da taxa básica de juros ao incrível patamar dos 40% ao ano! A economia brasileira passou por um tratamento de choque, que incluía também outras velhas receitas como: a redução das despesas do setor público (desativação de milhares de leitos de UTI durante a gestão do Ministro da Saúde José Serra, por exemplo); o aumento das receitas do Governo (incluindo a redução dos investimentos nas empresas estatais e a elevação da carga tributária); a retomada das privatizações (venda de estatais a valores subestimados) e; finalmente, a redução dos incentivos fiscais no Norte e Nordeste do País, remédios amargos estes que pioraram os índices de custo de vida dos trabalhadores brasileiros e tiveram como efeito colateral a total desilusão explicitada no resultado das eleições presidenciais de 2002. A herança do populismo cambial tucano foi uma dívida mobiliária que saltou de R$ 61,8 bilhões (17,7% do PIB) quando FHC assumiu o governo, para R$ 623,2 bilhões (46,3% do PIB) ao final de 2002, crescimento vertiginoso da taxa de desemprego e inflação aferida pelo INPC na casa dos 14,74% no ano de 2002.

Em seus meios, o populismo tributário que começa a ganhar expressão na estratégia eleitoral tucana para o pleito de 2006 não é diferente do populismo cambial. O pacote tributário de Geraldo Alkimin (PSDB), que consiste num conjunto de medidas fiscais que reduzem as alíquotas de ICMS de algumas mercadorias, revela essa nova estratégia do tucanato populista.

Aproveita-se do desconhecimento de importante parcela da população brasileira que durante os 08 anos de governo FHC a carga tributária foi elevada em mais de 1% ao ano, crescendo de 26% do PIB em 1995 para 35,6% do PIB em 2002 (atualmente corresponde a 34,8% do PIB). O “Outono Tributário” alberga medidas capazes de provocar enorme comoção popular, pois prevê a ampliação da faixa de isenção de ICMS sobre o fornecimento de energia elétrica aos consumidores residenciais que consomem até 90kw/h, assim como a isenção deste imposto para o pão francês, a farinha de trigo e as massas. No entanto, esses projetos ainda estão pendentes de tramitação na Assembléia Legislativa de São Paulo e dificilmente conseguirão completar a via crucis legislativa antes da conclusão da reforma tributária nacional, que apesar de não efetivar a tão sonhada justiça social tributária, impõe limites à guerra fiscal mediante a estipulação de 05 alíquotas de ICMS para todo o País.

O grande perigo dessa nova vertente populista tucana é justamente a atribuição de isenções fiscais em total desrespeito aos ditames da Constituição Federal de 1988, provocando novos desequilíbrios nas contas públicas não só do Estado de São Paulo, mas também de seus vizinhos como o Paraná, que recorrentemente copiam essas medidas tributárias na expectativa de salvaguardar alguns setores industriais locais. Portanto, os riscos do tucanato populista vão bem além das fronteiras territoriais paulistas e estão em integral conformidade com a estratégia eleitoral do PSDB para 2006. É a velha e triste lógica dos “fins justificam os meios”!

(JOÃO MARCELO BORELLI MACHADO é assessor jurídico da Liderança do Partido dos Trabalhadores na Assembléia Legislativa do Paraná, advogado militante da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP) e mestrando em Direito Cooperativo pela UFPR). 

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