Foto: Assessoria

Vamos fazer agora um simples exercício: se colocar no lugar de uma mulher que sofre violência doméstica e familiar, precisa se proteger, buscar socorro ou ajuda nos órgãos públicos e fazer a denúncia em uma delegacia da sua cidade.

Consegue se imaginar nessa situação?

Se nessa cidade existir uma delegacia especializada no atendimento às mulheres já será meio caminho andado. Mas só 5% dos municípios paranaenses possuem esse atendimento específico, ou seja, dos 399 municípios paranaenses, em apenas 21 existe delegacia da mulher.

Mas se essa vítima residir em um dos 378 que não possuem delegacia da mulher, o que acontece?

Ela tem de fazer a denúncia em uma delegacia comum, entrar na fila do atendimento geral e dividir o espaço de espera e o balcão de atendimento com as demais ocorrências policiais que chegarem até ali. Sem contar a exposição dela, naquele momento de tamanha fragilidade e sob o risco de ser abordada, inclusive, pelo próprio agressor.

O escrivão que atende a mulher nessa fila única também não é especializado para a situação dela e vai agir com o mesmo preparo, cuidados e orientações com que trata dos demais casos que chegam até o balcão da delegacia. Salvo se a vítima tiver muita sorte e for diferente. Mas, via de regra, é isso o que acontece.

O projeto de lei 350/2019, de iniciativa da deputada Luciana Rafagnin, assinado também pelos seus colegas parlamentares Arilson e Goura, pretende justamente diminuir o sofrimento e os entraves para essa mulher buscar socorro e proteção quando precisar. Até que possamos contar com delegacia especializada da mulher em todos os municípios do Paraná ou centros integrados de atendimento à mulher em todas as regionais do Estado, é preciso separar do atendimento geral nas delegacias comuns esse serviço voltado a garantir os direitos das mulheres em situação de violência.

A ideia é que as delegacias comuns separem uma sala para que a mulher possa conversar em um espaço mais reservado e que lhe propicie um ambiente com o máximo de tranquilidade possível para que ela possa dar seu depoimento, contar a situação para que as autoridades dimensionem a urgência e as formas adequadas de atendimento a ela e encaminhem para os devidos cuidados, a fim de assegurar sua integridade, tanto física quanto emocional.

Retrato lamentável

Nesse primeiro semestre de 2023, no Paraná, de acordo com dados do Tribunal de Justiça (TJPR), foram registrados 128 casos de feminicídio e emitidas medidas protetivas de urgência para 26.522 novas ocorrências de violência doméstica contra mulheres. A emissão de medida protetiva é um sinal claro de que o caso é de extrema gravidade e que a vida da mulher está em risco pela proximidade ou contato com o agressor. Ainda de acordo com o TJPR, 94% dos feminicídios em 5 anos foram praticados pelos companheiros das vítimas.

Nesses 6 meses de 2023, ocorreram em média cerca de 150 casos novos de agressão diariamente e foi registrado quase um feminicídio a cada dia do mesmo período. Como retrato do ódio às mulheres, o levantamento do Poder Judiciário também evidencia que, de 2020 para cá, o mês com maior incidência de agressões às mulheres e de feminicídios foi o de março, justamente quando a sociedade reflete mais e promove campanhas de conscientização sobre os direitos e a valorização das mulheres.

Os números, embora não mintam, tão pouco contam toda a realidade. Esse levantamento tem por base apenas as denúncias e notificações que chegam ao conhecimento das autoridades pelas portas de entrada dos serviços da rede de proteção à mulher. Há muita subnotificação e silêncio por trás dos entraves à garantia efetiva dos direitos das mulheres: seja por esse atendimento que expõe as mulheres, seja pela distância ou insegurança em ter sua integridade garantida na hora da denúncia. São N os motivos que facilitam o silêncio e a invisibilidade!

O que mais se pode fazer?

Uma das soluções a serem perseguidas nesses 17 anos da Lei Maria da Penha é a integração dos serviços de atendimento, como funciona no modelo da Casa da Mulher Brasileira. Quando busca o atendimento em uma dessas unidades, a exemplo da que existe em Curitiba, a mulher recebe a primeira acolhida de especialistas, psicólogas e assistentes sociais, que escutam, procuram compreender a situação em toda sua complexidade e direcionam o caso para os demais serviços. Dependendo das medidas necessárias a serem tomadas na sequência, essa avaliação altamente técnica é compartilhada com os profissionais responsáveis: da delegacia da mulher, para fins de inquérito policial; do Juizado ou Vara Especial da Violência Doméstica e Familiar, para emissão de medida protetiva e outros despachos judiciais; do IML, para exame de corpo de delito; da unidade de saúde, para curativos e outros procedimentos médicos; da Defensoria Pública; da Casa Abrigo, entre outros serviços necessários.

Por isso que, para encurtar esse caminho, informação sobre os direitos da mulher e integração dos serviços são fundamentais. Agir e proteger também é uma corrida contra o relógio! A violência contra a mulher não escolhe hora. É de madrugada, nos finais de semana, nos feriados… A mulher precisa encontrar abertas as portas em que for buscar ajuda. Com essa preocupação, o Presidente Lula sancionou em abril deste ano a lei que torna ininterrupto o funcionamento das delegacias da mulher, ou seja, por 24h.

Entender a complexidade dessa situação e encontrar soluções para um problema tão grave quanto a violência contra as mulheres, muitas vezes, depende só da vontade política e da sensibilidade de nos colocarmos um único dia no lugar da mulher que convive e que enfrenta essa violência diariamente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *